Trombofilia na gravidez, um resumão com tudo que você precisa saber.
TROMBOFILIA, O QUE É?
A trombofilia pode ser definida como uma predisposição à trombose, podendo ocorrer eventos de hipercoagulabilidade, que aumentam o risco de formação excessiva de coágulos sanguíneos.
Pode ser de origem genética ou adquirida, sendo influenciada por fatores ambientais, como dieta e estilo de vida.
Para o corpo funcionar corretamente, ele dispõe de mecanismos para regular os processos fisiológicos. Um deles é a hemostasia.
A hemostasia é um sistema complexo que equilibra a fluidez do sangue, através dos mecanismos de pró-coagulação e anticoagulação. Deste modo, o corpo fica em equilíbrio, para que não ocorra uma hemorragia nem uma trombose.
Algumas doenças podem interferir nesse equilíbrio, causando hemorragias ou trombose, dentre elas estão a hemofilia e a Trombofilia.
A maioria dos indivíduos portadores de trombofílias são assintomáticos, alguns só descobrem após um AVC, trombose, ou após uma perda gestacional.
Na América do Norte, o termo trombofílico tem sido usado para descrever indivíduos, que parecem ter uma predisposição para desenvolver tromboembolismo venoso. Em 1990, o comitê britânico para padrões em hematologia, sugeriu que o termo trombofilia deveria ser usado para descrever distúrbios do mecanismo hemostático genético ou adquirido, que provavelmente predispõem a trombose (venosa).
TROMBOFILIA HEREDITÁRIA
A trombofilia hereditária é uma doença genética, causada por distúrbios estruturais ou quantitativos, dos fatores envolvidos na hemostasia. Esses distúrbios aumentam as chances de doenças tromboembólicas, podendo causar uma deficiência dos inibidores naturais de coagulação, e consequentemente um aumento da coagulação sanguínea.
Um dos fatores que influencia na gravidade da doença, é se o indivíduo apresenta a mutação nos dois alelos (homozigoto) ou em só um (heterozigoto), sendo a forma homozigoto mais susceptível a eventos tromboembólicos.
É muito importante salientar que o indivíduo com um diagnóstico positivo de trombofilia, mesmo apresentando um maior risco de eventos trombóticos, não quer dizer necessariamente que ele irá desenvolver a doença. Muitos não chegam a apresentar nenhum problema relacionado a trombofilia.
Mas quando esse mesmo individuo apresenta uma condição adquirida, como a gravidez, os riscos são ainda maiores. A junção de uma condição genética mais uma adquirida, pode gerar uma expressão clínica de trombofilia.
Principais trombofilias hereditárias
Deficiência de proteínas C
Deficiência de proteínas S
Deficiência de Antitrombina
Fator V de Leiden
Mutação G20210A no gene da protrombina (fator II da coagulação)
Metileno tetrahidrofolato redutase (MTHFR)
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TROMBOFILIA ADQUIRIDA
A síndrome antifosfolipídica (SAF) é uma doença autoimune sistêmica caracterizada pela presença de uma família heterogênea de anticorpos que se ligam às proteínas plasmáticas com afinidade por superfícies fosfolipídicas.
Os dois principais alvos proteicos dos anticorpos antifosfolípides são a protrombina e a β 2 -glicoproteína I (β 2 GPI), mas esses anticorpos também são formados contra outras proteínas.
Pode causar desde uma trombose arterial e venosa, a morbidade gestacional. Atualmente, é reconhecida como a causa mais frequente de trombofilia adquirida associada à trombose venosa e arterial.
A anticardiolipina, o anticoagulante lúpico e a anti -β -2 -Glicoproteína estão associados a perda recorrente de gravidez, e a fenómenos tromboembólicos: o chamado Síndrome de Anticorpos Antifosfolípidos (SAAF).
Principais trombofilias Adquiridas
anticoagulante lúpico
anticorpo anticardiolipina (IgM e IgG)
anticorpo anti-2-glicoproteína I (IgM e IgG)
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PRINCIPAIS RISCOS
Quem tem trombofilia está mais susceptível a desenvolver uma trombose venosa, ter um acidente vascular cerebral (AVC), uma embolia pulmonar, perda gestacional, etc.
No caso das mulheres o problema é ainda maior, muitas usam por anos métodos contraceptivos hormonais, que já é um fator de risco para o desenvolvimento de trombose venosa, no caso das trombofilicas esse risco é muito maior.
Esses contraceptivos hormonais podem alterar os fatores hemostáticos, uma das formas é diminuindo os anticoagulantes naturais, favorecendo o aparecimento de eventos trombóticos.
As mulheres também podem desenvolver problemas relacionados a gravidez, por conta da trombofilia, os risco de um tromboembolismo venoso (TEV) é maior. Além de diversas complicações, decorrentes de problemas vasculares, já que um desequilíbrio dos mecanismos pró-coagulantes e anticoagulantes irão interferir numa adequada circulação placentária.
O maior risco é a morte fetal e materna, a formação excessiva de trombos venosos intraplacentários e infartos placentários, que de forma secundária causam uma insuficiência placentária e consequentemente a morte fetal.
Além de estar relacionada com pré-eclâmpsia (principal causa de morte materna do mundo) e restrição de crescimento intrauterino (RCIU).
TROMBOFILIA NA GRAVIDEZ
Durante a gravidez normal há um aumento de risco trombótico, pois a gravidez está associada a grandes mudanças em todos os processos da hemostasia.
A medida que a gravidez avança, bem como no puerpério, o equilíbrio geral da hemostasia é deslocado em direção ao aumento da coagulação, que eleva o risco de formação excessiva de coágulos sanguíneos, sendo uma das principais causas de complicações na gravidez.
Também ocorre um aumento dos fatores de coagulação, com uma redução dos anticoagulantes naturais como a Proteína S, além de reduzir a atividade fibrinolítica.
Uma das justificativas para esse processo na gravidez, é que seria uma vantagem evolutiva, já que a mulher perderia menos sangue no parto e pós parto.
Todo esse processo acontece em uma gestação normal, nas mulheres com trombofilia os riscos são ainda maiores.
TROMBOFILIA NA GRAVIDEZ – COMO OCORRE
A gravidez normal (A partir do primeiro trimestre e com duração de até 12 semanas pós-parto) constitui um estado de hipercoagulabilidade, uma forma de preparação para o parto, modifica a hemostasia em três níveis, através da produção de inibidores 1 e 2 do plasminogênio na placenta, diminuição da atividade fibrinolítica, e aumento da agregação plaquetária.
Também ocorre a redução dos níveis de Proteína S, elevação dos fatores I, VII, VIII e X, e Von Willebrand, maior atividade dos inibidores da fibrinólise. Uma resistência progressiva à atividade da proteína C. Ao mesmo tempo ocorre, a compressão da veia cava inferior pelo útero gravídico contribuindo para a estase venosa, favorecendo os eventos trombóticos.
Já em relação as trombofilias adquiridas, como a síndrome do antifosfolípede por exemplo, também podem ocorrer resultados adversos durante a gravidez. A causa envolve lesões diretas das células trofoblásticas, além de tromboses intraplacentárias, acarretando em manifestações fetais como hipóxia e insuficiência placentária, restrição de crescimento feral intrauterino, oligohidrâmnio e alterações de dopplervelocimetria fetal.
Essas mudanças se desenvolvem à medica que a gravidez avança. Sendo assim, no final da gestação a atividade de coagulação é quase o dobro das mulheres não grávidas, essas alterações são autolimitadas após o parto. As mudanças são causadas, por alterações hormonais, especialmente pelo aumento dos níveis de estrogênio.
RASTREIO/EXAMES
Ainda não há um consenso na literatura sobre a realização dos exames, alguns médicos usam o protocolo de três perdas gestacionais ou uma trombose, para iniciar a investigação.
Entretanto a gestação já é um fator de risco, uma paciente com trombofilia pode desenvolver vários problemas na gravidez, desde restrição de crescimento fetal, a um óbito fetal ou materno. Bem como, mulheres que fazem uso de anticoncepcionais tem mais riscos caso tenha trombofilia.
Até que mais estudo sejam desenvolvidos, mulheres que desejam engravidar ou usar contraceptivos hormonais poderiam fazer os exames. Seria uma forma de prevenção, para uma doença tão silenciosa.
Clique no link e tenha acesso a lista completa dos exames.
- Não é indicado a realização dos exames durante uso de contraceptivos hormonais.
- Nem na fase aguda de trombose venosa, ou durante o uso de anticoagulante oral, evitando assim um falso positivo.
- É necessário esperar um mês até a realização dos exames.
Vídeo com dicas sobre os exames.
Como a hemostasia é afetada durante a gravidez, é necessária aguardar três meses pós-parto e o final da lactação, para a realização dos exames de trombofilia adquirida. Os testes genéticos podem ser realizados em qualquer momento, pois os seus resultados não são influenciados por fatores externos.
TRATAMENTO
O tratamento depende do tipo de trombofilia e histórico médico da paciente.
Profilaxia não farmacológica:
- Tanto na gravidez como no puerpério é recomendado o uso de meias de compressão.
- Deve ser evitado a imobilização prolongada de membros inferiores, viagens aéreas longas (mais de 4 horas).
- É fundamental uma hidratação adequada.
- Durante o parto e pós-parto fazer pequenas caminhadas (andar pelo quarto, corredor do hospital), são medidas preventivas indispensáveis na prevenção da Trombose venosa profunda puerperal.
- Profilaxia mecânica, induzida por exercícios ativos e passivos, incluindo flexão e extensão dos tornozelos, joelhos e quadris, pode evitar a estase venosa.
Profilaxia e tratamento farmacológicos:
- ANTICOAGULANTE
O anticoagulante mais usado é a heparina de baixo peso molecular, em mulheres com trombofilia e complicações na gravidez, para prevenir resultados adversos da gravidez.
As heparinas dividem-se em não fracionadas (HNF) e fracionadas ou de baixo peso molecular (HBPM). Tanto a HNF como a HBPM são prescritas na gravidez. Porém há uma preferência em relação a HBPM pela facilidade de monitoramento e administração, maior biodisponibilidade, vida média menor após a aplicação, absorção completa por via subcutânea, menor incidência de trombocitopenia.
O mecanismo de ação da heparina é, em sua maior parte, atribuído às suas propriedades anticoagulantes e antitrombóticas, que podem reduzir a trombose na placenta.
Estudos in vitro têm mostrado que a heparina apresenta também uma ação anti-inflamatória, resultante do bloqueio das proteínas de adesão, promoção da diferenciação do trofoblasto e redução da ligação de anticorpo antifosfolípides às células trofoblásticas.
A heparina não fracionada é usada na gravidez porque não atravessa a placenta, reduzindo os riscos de malformação ou alterações funcionais no feto.
É permitido o tratamento domiciliar, e deve ser usado por via subcutânea ou intravenosa.
Para avaliar a dosagem do medicamento, deve ser realizado o exame do Fator anti-Xa ativado (anti-Xa), para monitorar o tratamento om a heparina de baixo peso molecular.
A enoxaparina é uma heparina de baixo peso molecular, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), no Brasil existem cinco fabricantes de enoxaparina, que são registrados e aprovados. Sendo ele das marcar comerciais: Clexane®, Cutenox®, Endocris®, Enoxalow® e Versa®.
O início do tratamento profilático com heparina deve ser iniciado no primeiro trimestre de gravidez, e descontinuado antes do parto (no início do parto normal, ou antes do parto cesáreo agendado). Deve-se reiniciar a anticoagulação algumas horas após o parto, e continuar com o tratamento por 6 a 8 semanas pós-parto.
- Ácido Acetilsalicílico (AAS) – Aspirina
O ácido acetilsalicílico pertence ao grupo dos fármacos anti-inflamatórios não esteroides, com propriedade analgésica, antitérmica e anti-inflamatória.
O AAS suprime a produção de prostaglandinas e tromboxanos através de sua inativação irreversível da enzima ciclooxigenase (enzima chave que catalisa a biossíntese das prostaglandinas).
O tromboxano é um potente vasoconstritor e antiplaquetário protrombótico. O uso de baixas doses de aspirina a longo prazo bloqueia irreversivelmente a formação de tromboxano A2 nas plaquetas, inibindo a agregação plaquetária.
Além disso, acetila a síntese do óxido nítrico endotelial, levando à liberação de óxido nítrico do endotélio vascular. Aumenta a atividade da heme oxigenase-1 nas células endoteliais para catabolizar o heme, o que leva a uma redução no estresse oxidativo, lesão e inflamação.
O AAS em baixas doses pode ser utilizado na gravidez, sendo recomendada uma dose de 80 a 100mg. É indicado a suspensão em quatro semanas antes do parto.
- Anticoagulante + AAS
O uso concomitante do anticoagulante e do AAS, usados para prevenir complicações na gravidez em mulheres trombofílicas, demonstraram reduzir a incidência de eventos obstétricos adversos em mulheres gestantes com trombofilias. Podendo melhorar os resultados obstétricos e maior taxa de nascidos vivos.
- DOSAGEM
A dosagem inicial é indicada de acordo com o peso, histórico médico e o tipo de trombofilia da paciente.
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